Em meu local de labuta diária e assalariada, conversando com amigos sobre assuntos diversos, não recordo como foi que entrou em apreciação a figura de Edgar Allan Poe, personagem ímpar que, entre outras genialidades, resolvia casos policiais a partir de leituras de jornais e revistas. Senti, então, vontade de seguir o mestre norte-americano, iminente produto da capital do cinema, mas de uma forma diferenciada, high-tech, investigando um antigo caso pela internet.
Coisa estranha o laudo da aeronáutica, seis anos depois da queda do ultraleve em que viajavam o guitarrista d´Os Paralamas do Sucesso e sua esposa, Lucy Needham Vianna, que morreu afogada, enquanto Herbert teve traumatismos diversos que lhe paralisaram as duas pernas. O laudo elaborado pela aeronáutica, que determinou que houve falha técnica, só foi possível porque o pai do músico, brigadeiro Hermano Vianna, recolheu um pedaço da fuselagem. Vejamos porque é estranha.
O material com que é feito o aparelho, que perde o controle em pleno vôo, cai de bico, colide com as águas e nelas afunda, não poderia deixar de sofrer abalos, rachaduras e avarias. Ao ser recolhido por não-perito, não se sabe com que cuidados, sofre mais deteriorações ainda. Como o laudo só saiu seis anos após a queda da aeronave e como é impossível que o material, após tanto tempo, possua as características de conservação da época do provocado acidente, é muita ingenuidade aceitar que aquele laudo seja isento de falhas. Muito pelo contrário, claro como a luz do sol, que tudo não passa de armação para livrar Herbert da acusação pública de imprudência e homicídio culposo e, ainda por cima, levar uns trocados.
O que foi recolhido pelo militar, pai do indigitado, e entregue ao Centro de Tecnologia Aeroespacial, em São José dos Campos (SP), pode não ter sido da mesma aeronave, visto o brigadeiro, em 2002, vice-presidente do Clube Esportivo de Ultraleve do Rio, ter localizado dois ultraleves modelos Fascination II, idênticos ao do filho, que sofreram problemas na fuselagem da cauda. Se do mesmo aparelho, pode ter sofrido nesses anos todos um processo de enfraquecimento condicionado, ou seja, artificial, forçado. Fazer isso, não é difícil. Destroços do aparelho só deveriam ser recolhidos por pessoas qualificadas para isso, não por familiar que bem poderia esconder uma prova criminosa ou adulterá-la. Não há imparcialidade naquele laudo que diz “que os indícios são fortes de que a aeronave na ocasião era problemática do ponto de vista da qualidade do material empregado para compor uma parte importante (fuselagem)”. Laudo, que, a bem da verdade, deveria ter sido produzido num prazo razoável e aceitável em relação à data da tragédia, nunca depois da validade do produto submetido a exames. Um militar fornece dados a uma instituição militar para livrar a cara de seu filho. É a corporação se protegendo, já vimos esse filme centenas de vezes. Acusam a Ultraleger Indústria Aeronáutica, representante no Brasil da empresa alemã W.D. Flugzeugleichtbau GmBH, dona do projeto e fabricante da aeronave, passam um limpol na imagem do guitarrista matador e ainda requerem indenização por danos morais e materiais.
Se fosse realmente acidente no qual Herbert não tivesse parcela de culpa, contando com sua renascida criatividade e milagrosa recuperação motora que lhe permite tocar tão bem quanto antes, seria de se esperar que fosse elaborada pelo viúvo uma bela e merecida homenagem musical a sua amada e falecida esposa, pois um artista é sempre muito sensível a esses traumas, perdas e dores, são a sua musa inspiradora. A não realização dessa imaginável pungente obra, observada por inúmeros de seus fãs, seria pelo simples fato de que, apesar do conhecido simulacro dos mafiosos que mandam flores às famílias de suas vítimas, não conseguimos forjar homenagens a quem tiramos a vida? Ou, então, de não mais haver necessidade alguma, pois a homenagem já teria sido feita há anos?
“Um dia posso até pagar por isso / O impossível é meu mais antigo vício”. Letra de “Flores no Deserto”, composição anterior ao vôo fatídico de um piloto míope e astigmático. Sem capacetes, bóias salva-vidas, sem normas de segurança, em manobras arriscadas e imprudentes - estaria ele bêbedo ou drogado? Cadê o exame médico aplicável nesses casos e que apesar de morte, “coma” e comoção nacional não tivemos conhecimento? - “Um delírio do meu coração / Que vê as coisas / Onde as coisas não estão”, testemunhadas por quatro pessoas, em companhia de uma companheira há nove anos que tinha receios dessas práticas aéreas, “Havia Inocência em seu sorriso / Enquanto caminhava rente ao precipício”. Tudo leva a crer que ele não se libertou do antigo vício e, “Tão certo como flores no deserto / Real como as miragens da paixão”, tenta fazer o impossível, com a “providencial” perda de memória total do acidente, “Estava calmo por acreditar em perfeição / Tal qual o tolo da colina na canção” ... o crime perfeito, comovendo e enganando, do alto de seu ultraleve, seu público tolo.
Atualmente, abril de 2010, nove anos depois do acidente, o Processo nº: 2002.209.008677-7, Ação: Indenizatória, Autor: Herbert Lemos de Souza Vianna X Ultraleger Indústria Aeronáutica Ltda, da 2ª Vara Cível da Regional da Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, se encontra nas alegações finais. O estranho laudo foi impugnado, houve troca de peritos, realização de outro laudo bastante questionável. Meia dúzia de juízes apreciou os autos que já estão no 4º volume. Das quatro testemunhas do acidente em Mangaratiba arroladas no processo, duas foram localizadas, mas não compareceram, as outras duas não foram localizadas, talvez, por influência da família Vianna. Se prestarem depoimentos nos autos, aí é que fica feio pro paralama.
Herbert já deveria ter sido responsabilizado pela morte da esposa. Já deveria ter assumido perante seus filhos, parentes, público e história, saindo da condição de dissimulador e encarando seus erros de frente, como um verdadeiro homem, mas talvez, isso nunca aconteça. Nos resta aguardar a resolução desse imbróglio, esperando que justiça seja feita e a Ultraleger é quem seja ressarcida por danos morais que, infelizmente, não será o pagamento total por tudo aquilo que aconteceu aos 04/02/2001 em Mangaratiba e que uma família poderosa tenta esconder.
6 comentários:
Belíssimo texto!
A narrativa é, no mínimo, bastante factível. Dado o cargo do pai e a influência da família, não é absurdo imaginar que seus tentáculos tivessem alcance para tal. E mais, Hebert teve motivo e oportunidade para fazer o que supostamente fez. Só não corroboro sua tese por medo de ser leviano, mas a construção do raciocínio está perfeita.
Forte abraço!
Faço das minhas palavras as palavras do anônimo que me antecede. O raciocínio investigativo se perfaz corretamente, contudo, não posso expor minha opinião tanto por não conhecer minuciosamente dos fatos, como por temer estar fazendo um julgamento precipitado de um ícone da música brasileira.
Um conhecimento aprofundado e crítico sobre um tema que jamais tive entendimentos claros, não sei se corresponde a total realidade dos fatos, mas bom para se formar ALGUMA opinião, já que não a tinha.
Aguardo mais textos para ler e apreciar essa instigante forma de se expressar.
Excelente comentário.Muito mais próximo da realidade que todo o drama encenado para a imprensa.Herbert Viana foi e ainda é um ícone da música brasileira (assim como outras bandas de rock dos anos 80); mas como quase todas as pessoas que admiramos, cometeu erros incríveis e deve pagar por sua negligência.
PS: adorei a alusao à Poe!!
O processo de Herbert Vianna foi para a conclusão, gabinete do juiz, em 12/04/2010. Em 17/05/2010, mais de um mês depois, foi cancelada a conclusão e aberta uma nova com data retroativa de 12/05/2010, sem que houvesse sido dado nenhum despacho. Em 07/06/2010, saiu despacho que a sentença estaria em elaboração e que seria finalizada dentro de 10 dias. Ou seja, dois meses para se proferir a sentença de um juiz temeroso.
Hj saiu o resultado, Hebert perdeu a causa mas ainda pode recorrer.
E um otimo musico mas o acidente foi culpa dele
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